4 de março de 2020

Que a dor da guerra seja contagiosa

Gostava que a dor de quem perde tudo fosse contagiosa.

Eu queria que o pânico do som das bombas, e o pó que se levanta quando as paredes caem, se propagassem até aqui. Gostava que o medo e a incerteza de quem não sabe se há um amanhã, de quem sobrevive em vez de viver, acompanhassem as andorinhas que vêm pousar nas árvores dos nossos jardins.

Gostava que o choro e os gritos de quem desespera em alto mar, nos campos de refugiados, ou no meio da guerra, fossem ouvidos por todos nós, quando fechamos os olhos para dormir. Eu queria que a angústia que os pais sentem ao tentar levar os seus filhos para um lugar onde a probabilidade de morrer é ligeiramente menor, nos invadisse o coração a cada onda que rebenta na praia.

Gostava que pudéssemos sentir a fome só por olhar para quem realmente a sente. Eu queria que todos nós soubéssemos que só tivemos sorte por ter nascido noutro lugar. Eu queria que ninguém se esquecesse que não há vidas mais valiosas do que outras.

Ai que bom seria se tudo isto fosse contagioso! Era a certeza de que ninguém descansaria até haver uma solução. O medo que algo nos toque supera tudo.

Por isso, que tudo isto seja contagioso.