20 de dezembro de 2018

Grindelwald

Continuo presa aos baloiços que já não existem. Continuo a adorar sentar-me na casinha de madeira que provavelmente se transformou em lenha. Continuo a adorar o parque em frente à Coop. Continuo a orgulhar-me por ter conseguido, ainda que por breves minutos, andar de patins no gelo, e até da dor no rabo ao cair na placa gelada tenho recordações. Continuo a sentir o cheiro das árvores na montanha e continuo a sentir frio ao recordar o gelo azul. Tento recuperar todos os cantos e recantos descobertos e perco-me entre a realidade distante em espaço e em tempo e a minha imaginação. Já não consigo distinguir. Recordo a melhor prenda que alguma vez recebi. O embrulho mais perfeito de que me lembro, com o objeto mais simples (um porta-lápis) que talvez já me tenham dado. O mais inesperado e, talvez por isso, o melhor.

Lembro-me do morcego no corredor que todos achavam ser de brincar, mas não era. Lembro-me das bebidas entre a janela e a portada porque não havia mais onde as guardar. Lembro-me da música do Super Mário na Nintendo enquanto o meu pai e o meu irmão jogavam. Lembro-me dos meus penteados feitos pela minha querida Rosário e da forma como ela sempre me fez sentir especial e da vontade que eu tinha de me sentir assim para sempre. Lembro-me do Rui, do lado de fora do nosso quarto e lembro-me de sairmos para ir para o parque brincar. Não me lembro que saíamos pela janela e que isso era considerado fugir. Lembro-me do cheiro da lavandaria do hotel Spinne, enquanto as toalhas e os lençóis estavam a engomar. Lembro-me do piano junto à lavandaria. Lembro-me da bata e do crachá da minha mãe. Lembro-me do fato de cozinheiro do meu pai com o Mickey bordado. Lembro-me de dois quartos e uma casa, e dessa casa lembro-me da varanda onde tínhamos uma piscina - que nem sei como lá cabia - e dos bonecos bebés que saíam nas batatas fritas. Também me lembro da cozinha e das canecas que lá tínhamos e que ainda hoje procuro por serem um clássico. Lembro-me das caminhadas e de aprender a andar de bicicleta. Lembro-me das idas a Interlaken e de comermos frango assado num banco de jardim junto ao lago e de dar pão aos patos. Lembro-me dos origamis que os japoneses deixavam de gorjeta à minha mãe. Lembro-me dos iogurtes de baunilha, os únicos que comia, porque todos os outros tinham pedaços.

Há muitos anos que não vou lá. Antes ainda regressava durante a noite, em sonhos que me deixavam viver tudo outra vez. Hoje recordei acordada a emoção que sentia no peito sempre que começava a subir até Grindelwald e as recordações começavam a surgir em catadupa. Que todas as crianças tenham o seu lugar mágico ao qual possam voltar sempre que precisem, durante toda a sua vida, ainda que essa viagem seja feita apenas através de memórias. Sentir saudades da infância é reconhecer que se foi feliz nas coisas mais simples da vida.

A subida https://youtu.be/VWcJbayKKhc