31 de janeiro de 2014

Eu era a caloira "Pim"

Eu andei na praxe durante algum tempo. Ninguém me obrigou a lá andar. Fui, como vim, pelo meu próprio pé. Chamaram-me, é certo, e eu fui porque quis. Odiei os primeiros dias, mas continuei a ir. Não sabia bem porquê, mas ia. Era esgotante, era irritante passar o tempo a olhar para o chão, era, muitas vezes, frustrante. Mas houve outras vezes em que era divertido.
Eu não conhecia os outros caloiros. Nenhum. Mas isso não nos impediu de rapidamente trabalharmos em equipa quando assim era necessário, nem nos fazia olhar de lado para ninguém, nem julgar quem quer que fosse pelo que era acessório. Em praxe, sem sabermos quem éramos, éramos unidos.
Quando atingi o meu limite, vim-me embora. Lembro-me de uns dias piores que outros e, assim que para mim passaram todos a ser maus, desisti. Falaram comigo. Tentaram convencer-me a ficar. Lembro-me de ouvir o veterano dizer-me "Sónia, olha para mim, quero conversar contigo, não precisas estar a olhar para o chão", e conversamos. Eu estava decidida e ele compreendeu e respeitou. Outros "doutores" vieram falar comigo fora da praxe, a tentar convencer-me a voltar (mas sem pressões). Eu não voltei. 
Durante uns dias, sentia-me mal sempre que via os meus colegas a serem praxados sem mim. Sentia que os tinha abandonado. E percebi uma parte de tudo aquilo.

Eu estaria do lado de todos os que querem acabar com a praxe, se alguém fosse obrigado a andar na praxe. Mas não é. Só vai quem quer. Sim, só vai quem quer, não venham com a conversa de pressões, porque estamos a falar de pessoas que se estão a preparar para a vida, é bom que saibam lidar com as pressões.
Anormais há em todo o lado. Pode haver na praxe como noutro grupo de outra coisa qualquer. Acidentes podem haver nas mais variadíssimas situações. Por isso, também podem haver em praxe. Mas isso é uma opção de cada um. Ou aquilo a que se chama liberdade.

As reacções anti-praxe mais acesas que vejo nas redes sociais são algo estranhas, por virem de quem vêm. São as pessoas que se dizem mais liberais que se revelam as mais radicais.Os mesmos que são a favor, por exemplo, da legalização das drogas leves porque, desde que devidamente informadas a respeito dos malefícios das mesmas, as pessoas têm o direito de fazer as suas opções, dizem que a praxe devia ser proibida. Mas então o mesmo argumento não se aplica? Eu diria que isso é, no mínimo, incoerente. Porquê essa incoerência? Porque, se calhar, não são tão tolerantes quanto se acham.

3 de janeiro de 2014

Casa dos Segredos

Quero pedir desculpa aos fãs da Casa dos Segredos pela minha intolerância.
Não, não acho que todas as pessoas que vêem esse tipo de programas são parvas, ou com QI reduzido ou desinteressantes. Não acho mesmo. Não acho porque conheço pessoas inteligentes e interessantes que vêem a Casa dos Segredos. Mas lá está, até os génios fizeram más opções nas suas vidas... "Pronto, lá está ela outra vez!" Não estou nada. Quero apenas explicar a minha repugnância por esse tipo de programas sem ser mal interpretada.

Não tem apenas que ver com a falta de conteúdo relevante no programa ou com a minha falta de interesse por ver um monte de gente dentro de uma casa, tem acima de tudo a ver com a falta de princípios. E não estou a dizer que quem vê não tem princípios, não é isso. A curiosidade faz parte da natureza humana e é um facto que aquelas pessoas se põem voluntariamente a jeito para que lhes vasculhem a vida. Eu estou a falar da gente que produz e emite aquele tipo de programas. Aquela gente sabe que vai usar pessoas de verdade como se fossem bonecos; aquela gente sabe que vai passar conteúdos inapropriados e acessíveis às crianças; aquela gente sabe que há pais que não têm a inteligência de vedar aquele tipo de conteúdos aos filhos; aquela gente sabe que vai passar ao país uma ideia transfigurada de si próprio; àquela gente não interessa o futuro daquelas pessoas, mas apenas como o seu presente e passado podem contribuir para o aumento das audiências; àquela gente não interessa que todo o passado e todos os familiares dos concorrentes seja arrastado pelas revistas e pelas televisões (deixando uma gosma que me dá vómitos), àquela gente só interessa o dinheiro que todo aquele circo vai gerar. O dinheiro não pode justificar tudo.

Compreendo que haja pessoas que conseguem ficar indiferentes a tudo isto. Eu não. Não consigo pactuar com a mesquinhez, o interesse desmedido e inconsequente que alguma gente tem. Não consigo dar valor a pessoas que, com certeza até terão valor, mas se querem dar a conhecer sem valor nenhum. Não consigo assistir a vidas reais serem ultrajadas, mesmo que tenham noção daquilo a que se propuseram. Há limites. E esse tipo de programas ultrapassa os meus em largos quilómetros.
Portugal não é aquilo e mesmo aquelas pessoas não são aquilo. Aquelas pessoas também têm pais e mães e eventualmente filhos, e incomoda-me vê-los como objectos. Peço-vos desculpa, eu compreendo que seja um programa de entretenimento e gabo-vos a capacidade de se abstraírem de toda a máquina que está por detrás do que aparece no ecrã e divertirem-se com aquilo, mas eu não consigo. Gostava de me conseguir rir e deixar de ser uma ovelha tresmalhada que se arma em parva e não quer ver, mas já tentei... Já tentei e não consigo.