10 de julho de 2012

As circunstâncias

A animosidade que se encontra no trânsito todos os dias podia ser – e já foi com certeza – a base para variadíssimas análises sociais e psicológicas. A forma como se encara o “carro” que tenta meter-se quando a prioridade é nossa, o “anormal” que atrasa o trânsito porque faz a rotunda toda pela faixa da direita e o outro que não sabe para que servem os piscas está ao nível do tratamento que se dá aos árbitros nos jogos de futebol.
A descaracterização que os “carros” assumem perante nós é, de facto, curiosa, mas também inevitável. Faço “mea culpa” e admito que também me irrito solenemente com os condutores que, por exemplo, ignoram que os passeios servem para os peões circularem e que convém que tenha uma certa largura, caso contrário carrinhos de bebé e cadeiras de rodas ficam proibidos de passar em segurança, só porque os confundem com uma excelente forma de estacionar à porta do seu destino. Confesso ainda que lanço olhares ferozes aos condutores quando me vêem na passadeira e convenientemente se esquecem do código da estrada que grita que a prioridade é minha. E então eu aceno a cabeça mais uma vez e fico a ferver por dentro.
Não sou psicóloga nem socióloga, mas se tivesse de me basear no trânsito para descrever o condutor português não hesitaria: EGOÍSTA. Basicamente, quando estamos na estrada só nos interessa chegar ao nosso destino o mais rapidamente possível. Se podíamos deixar o outro passar e isso só nos atrasaria 5 segundos e ajudaria o trânsito a fluir melhor, não interessa. Na verdade, a maior parte das vezes nem se pensa nisso. A determinada altura, os outros carros transformam-se em meros obstáculos que é preciso ultrapassar ou contornar. As passadeiras nem se vêem e inevitavelmente os peões também não. Facilmente o trânsito se transforma numa verdadeira Selva e todos os condutores se acham os Reis.
Quando, por milagre, se encontra uma Alma iluminada que cede a passagem a algum carro ou que pára na passadeira, leva buzinadelas. É como se de um sinal de fraqueza se tratasse.
O curioso de tudo isto, é que, se as pessoas se cruzam fora dos carros, tudo muda. A falta de cordialidade, de respeito e de ordem, acontece com mais facilidade quando estamos dentro da carapaça. Somos capazes de buzinar “àquele burro” que virou sem dar pisca e, sem reconhecer, encontrá-lo no infantário do nosso filho a segurar-nos a porta para passarmos. E nós agradecemos com sorriso no rosto.
A forma como as circunstâncias interferem com a nossa maneira de ser, se não fosse tantas vezes ridícula, poderia ser bastante engraçada.