28 de junho de 2010

"Morre lentamente"

Em resposta à marca de Vânia Dias, neste texto de Pablo Neruda:

"Morre lentamente" quem não deixa a sua marca em tudo o que faz. Quem não planta sorrisos nos outros, quem não dá mais do que o que recebe. "Morre lentamente" quem quer estar só de passagem, discretamente. Quem não quer deixar a sua pegada bem marcada no chão, para a posterioridade.
"Morre lentamente" quem não tenta aliviar o sofrimento dos outros. Nem que seja de uma só pessoa... "Morre lentamente" quem não se entrega a uma causa, quem não luta, quem vê os dias passarem, um após o outro.

"Morre lentamente" quem não dorme, todos os dias, sem qualquer peso na consciência. "Morre lentamente" quem não pode fechar os olhos para nunca mais os abrir. "Morre lentamente" quem tem palavras por dizer, assuntos por resolver e acções por corrigir.

Morre, vivendo de amargura, quem vive só para si.

10 de junho de 2010

A voz calada


A cada pancada nos bombos estremece a cidade. São pancadas nas almas dos amarantinos.

"Acorda povo! Olha à tua volta! Não te apraz esta sorte?
Desdenha menos e admira mais. Sou eu, Amarante, sonorizada nestes bombos, que te falo! Sai à rua, Povo. Não hoje porque são as festas, mas sempre, porque me amas. Eu protejo-te de tanto... Um tanto que desconheces e, por isso mesmo, nem sabes o quanto esse tanto é! Porque não estou sempre cheia assim? Porque me admiram apenas quando os carrinhos chegam? Porque me ouvem só quando rufam os bombos? És como um filho que só faz um carinho à mãe no seu aniversário.
Não, não assumo as culpas do que me acusas. A cidade não tem vida porque tu não lha dás. Não te cales! Não saias à rua só quando há festa! Faz-me viver! Esta cidade é tua, e de mais ninguém. Age! Reclama! Impõe-te! Não fazes nada disso, pois não? Então não te queixes. E continua a ouvir-me e a ver-me só em dias de festa.
Mas cala-te, já que não sabes o que dizes.
Agora sorri. São as festas afinal. Há alegria na rua. Olha, afinal tenho jovens. Hoje, porque há festa, quiseram ficar. Noutros dias preferem ir fazer a festa para outro lado...

Vejam e ouçam os bombos. Para quê falar se não me querem ouvir?"

9 de junho de 2010

O Junho

Ouviam-se descrições de como era noutros tempos. Das enchentes nas ruas, das animações, dos dias preenchidos. Viam-se as pessoas alegres, mas habituadas. Viam-se os jovens reunidos, os reencontros, as conversas e os brindes. Viram-se os bombos e as pessoas que os admiravam. Que energia, que vontade têm aqueles homens e aquelas mulheres! Que fôlego! Eu admiro-os e invejo-os.
E agradeço a todas as pessoas que enriqueceram as festas, a cidade. Nem fui aos carrinhos. Antes dizia que se não fosse aos carrinhos nem parecia Junho. Este ano não fui e não precisei de ir. Enquanto a maioria dizia que o Junho já não é o que era, eu pensava que para mim o Junho é o que nunca foi... Já anseio o próximo ano e imagino as mudanças que vamos encontrar.

Boa ressaca de festas!

2 de junho de 2010

Grito


Grito mas já nem eu ouço. Grito para dentro de mim. A cabeça não pára. São tantas coisas a correr de um lado para o outro que se tornam incontroláveis. As certezas começam a esmorecer e até a que me mantém em pé abana.
Tantas coisas a correr de um lado para outro... Muitas delas deviam estar sempre quietas para me esquecer que existem. E grito outra vez.
Não é a cabeça que incomoda agora. É outro órgão. Desta vez fico calada, já não consigo gritar. Fico eu quieta. As coisas já podem correr todas de um lado para o outro, como lhes apetecer. Nem tento controla-las. Rendi-me. Agora assisto. Sou um peso morto. O outro órgão petrificou-me.
E que tudo seja como tem de ser, que é como quem diz, Ámen.