25 de novembro de 2013

Sou menina de colégio. Há problema?

Andei num colégio privado católico - o Colégio de São Gonçalo, em Amarante - desde os 4 até aos 18 de idade. E agradecia que parassem de me tentar fazer sentir mal por isso.
Só conheci a realidade do ensino público quando entrei na faculdade. E o que posso dizer é que, se naquele momento o meu querido colégio tivesse Ensino Superior, tinha regressado a correr.

Até aos 18 anos o que eu conhecia das escolas públicas era o que as minhas amigas que lá andavam diziam. Lembro-me de falar com elas sobre a escola e perguntar que trabalhos estavam a fazer em Educação Visual e Tecnológica e de uma delas me responder que não tinha tido a disciplina porque a Professora não tinha vindo no 1º período (todo). Lembro-me de no início do ano falarmos sobre os livros e de me dizerem várias vezes que ainda não tinham pegado nos livros do ano lectivo em curso porque ainda estavam a dar a matéria do ano anterior. Lembro-me de que as aulas no meu colégio começavam antes e acabavam depois das aulas da escola pública. O que para mim era uma chatice.
Lembro-me de ter tido uma Professora de Educação Física que iria faltar às duas primeiras aulas do 1º Período por estar de licença de maternidade e de que foi contratado um professor substituto por causa dessas duas aulas. Lembro-me de ter aulas das 9h às 17h. O horário podia mudar de ano para ano, mas todos tinham o mesmo. A hora de almoço era igual para todos. E as horas livres, por norma, eram passadas dentro da escola.
Lembro-me de ver, várias vezes, "o pessoal do ciclo e da secundária" pelos "lados do colégio" porque os professores deles estavam em greve. E nós nunca tínhamos essa sorte. Lembro-me dos alertas dos professores, das conversas dos professores quando notavam que algo não estava bem. Lembro-me do "tu és capaz de mais, tens de fazer mais" que substituía o "se não quiserem aprender o problema é vosso, não é meu".
Lembro-me de ter a mesma turma, mais um, menos um, desde o infantário até ao 9º ano. Deixei de fazer mais amigos? Não. Fiz amigos para a vida toda e não para aqueles anos. Amigos não, irmãos.
Lembro-me de não querer estudar e de os professores não desistirem de mim. Lembro-me dos desafios para ser melhor, porque aqueles professores eram Professores que formavam pessoas. Tenho professores naquele colégio que nem o foram no sentido prático. Na minha memória foram meus professores, mas o facto é que nunca me chegaram a dar aulas. Mesmo assim, de uma maneira ou outra, cruzaram o meu caminho e marcaram quem sou. Lembro-me de tantos momentos, tantas conversas que me ajudaram a fazer escolhas. Alertas e preocupações que passariam despercebidas por tantos. Mas ali não. Ali não se desistia das pessoas, tentava-se uma e outra vez.
Aquele colégio era a minha casa. Cresci a sentir que eu importava, cresci a sentir que podia marcar a diferença e que tentar vale sempre a pena. Vi a preocupação e a alegria dos professores na despedida para a faculdade. Foi a despedida de uma enorme família e de uma grande casa.
Quando cheguei à faculdade senti que não era nada. Eu era um número. Nenhum daqueles professores estava minimamente preocupado comigo, nem com nenhum dos meus colegas. Sim, foi um choque com a realidade. Se era preciso? Não sei. Estaria melhor preparada se tivesse andado sempre na escola pública? Habituada sim, preparada não. Se não tivesse andado no colégio não saberia da mesma forma o que são laços para a vida para além dos de sangue. Não sentiria da mesma forma que houve alguém que um dia acreditou muito em mim e que continua a esperar o melhor de mim.
Eu sei que também há professores de verdade no ensino público. Mas não me convencem de que é a mesma coisa. E seria o ensino público melhor se eu e os outros alunos que recebiam subsídio para andar no colégio tivéssemos aumentado as turmas do ensino público? Haverá capacidade e condições nas escolas públicas para receber esse enorme acréscimo de alunos?

 E agora lembro-me que descanso seria para mim se aquele colégio também pudesse ser a casa do meu filho.